segunda-feira, 10 de junho de 2013

Reflexões acerca da violência em geral e da violência policial

 Reflexões acerca da violência em geral e da violência policial

Por Bruno Euzébio Cont 
A moral, por mais que possa ser discutida em termos racionais, de qualquer forma diz respeito à prática de ações. Por esse motivo, a escolha de uma situação-problema para fazer uma análise sobre o que está de acordo ou em desacordo com nossa moralidade parece ser um caminho seguro. 
Entretanto, utilizando-se do mesmo raciocínio empregado por Kant relativo a exposição de exemplos morais, o qual diz que para se dar um exemplo sobre o que é certo ou errado, antes de expô-lo, é necessário um exame racional por parte de quem o propõe, procederemos da mesma forma com o objetivo de ter clareza sobre o tema da violência policial. Vale aqui ressaltar que, procedendo desse modo, partindo do racional para depois atingir o real, a reflexão se dará restritamente acerca da violência, não importando se ela é policial, sexual, ou de qualquer tipo, pois essas características são contingentes, indicativas de como a violência em si é algo que ocorre de diversas formas. O fato de o tema escolhido ter sido a violência policial é apenas uma questão de gosto, e o método aqui empregado para tratar dela poderia ser aplicado a outros tipos de violência. Dito tudo isso, prossigamos com nossa reflexão que será direcionada primeiramente a violência em si, de forma filosófica, para depois tratarmos da violência policial.


         A violência é uma ação e, como tal, necessita de um agente. Mas essa ação possui a peculiaridade (na  o exclusividade), de ter um receptor. Daqui concluímos que para haver violência é necessário, ao menos, dois agentes capazes de agir e sentir. Dizer isso é o mesmo que afirmar que ela tão-somente deve ocorrer em organismos vivos, pois jamais podemos conceber que dois objetos inanimados tenham a capacidade de agir sobre o outro com o objetivo de ser violento. Mas como há relação de ação e reação também entre objetos inanimados, como a água e o sal que, quando misturados, faz com que a água sinta a influência do sal, tornando-se salgada, assim como o sal também sente a água, desconcentrando-se, é necessário algo mais do que a relação de ação e reação entre dois agentes para se compreender a violência.

         A noção de intenção, apesar de insuficiente, é fundamente para nosso propósito, pois a nenhum objeto inanimado, a despeito das infinitas causas que o levem a agir sobre outro, pode ser atribuído qualquer grau de intenção. Além disso, é algo apenas encontrado nos homens, sendo ausente nos demais animais, dado que o motor de ação destes é o instinto, não a racionalidade. Por exemplo: Quando dois animais brigam entre si, por mais que o objetivo de fato seja ferir o oponente, este objetivo, assim como outros, visa a um único e determinado fim que é a sobrevivência. Além disso, o oponente ferido, sendo animal, não tem a faculdade de julgar para considerar violenta a ação do vencedor. Mas isso não justificaria uma ação violenta contra qualquer animal, pois eles são dotados de sensibilidade e, por conseguinte de repulsa. Logo, os animais não são capazes de saber de fato o que é e o que não é violento, mas podem sentir a violência.
         Voltemos ao homem. Sabendo que este é dotado de intenções e, por isso, o único ser capaz de agir por violência (o destaque é para ressaltar que, além das intenções, o homem é o único ser conhecido capaz de estabelecer objetivos), resta verificar até que ponto a intenção é definitiva na violência.

         Lembrando que a violência, além de ser uma ação, precisa de no mínimo dois agentes, um ativo e outro reativo, é evidente que a intenção possui sua importância, mas seu escopo de atuação é limitado. Isso ocorre porque a intenção e a ação pertencem a domínios diferentes, sendo aquela racional e esta, empírica. Se direcionarmos nossa atenção para as ações, veremos que todas elas envolvem, em algum momento antes de sua execução, uma tomada de decisão. O grau de importância dessa tomada de decisões depende diretamente da ação a ser executada, pois não se pode dizer que decidir levantar  de uma cadeira e dar alguns passos demande o mesmo grau de reflexão que devemos empregar antes de votar num candidato à presidência da república. Além disso, o fato de nossas decisões, por conseguinte nossas intenções, terem um componente racional cujo grau pode variar de acordo com a situação, enquanto a execução das ações é empírica, faz com que tenhamos certo controle apenas daquelas. Isso ocorre porque o que é racional ocorre apenas dentro de nós, nos garantindo controle. As ações, sendo exteriores ao eu, nos garantem apenas o controle das iniciativas e das formas de agir, ao passo que o resultado dessas ações é sempre incerto, não conseguimos controla-los. Isso implica que uma intenção violenta não necessariamente gerará uma ação violenta, ao passo que uma intenção não violenta pode gerar uma ação violenta.

         Sendo a violência um agir em relação ao outro, ela é um todo que compõe intenções do agente e resultado de ação verificáveis no receptor. Sendo o receptor racional, ou seja, homem, além de sensível, é também capaz de fazer julgamentos, ou seja, avaliar intenções. Graças a essa faculdade, ele é capaz de especular a respeito das intenções de outra pessoa e, por conseguinte, o objetivo dessas intenções. Logo, para o homem, uma ação com consequências violentas é considerada ainda mais violenta se for identificada a violência na intenção do agente. Isso é verificável na forma como os crimes violentos são punidos no Brasil. É inegável que o homicídio é uma ação com consequências violentas, sendo um dos motivos de ser punível. Mas o determinante para considerar a culpabilidade de quem o comete é justamente a intenção do agente. Daí a distinção entre homicídio culposo e doloso, este último punível com maior rigor.

         Feita essa reflexão acerca da violência, passemos a parte contingente, ou seja, um dos tipos de violência que é a policial.
         A polícia é o representante personificado da definição weberiana de estado como conjunto de instituições detentoras do monopólio do uso legítimo da força. Sendo a polícia uma instituição, suas ações têm muito haver com o estado ao qual ela serve, tanto nas suas intenções, como nas suas ações. Isso implica que numa ação policial não deve ser avaliada apenas a conduta do oficial que a executa, mas também a do governo que está conduzindo o estado, ou seja, as instituições. Por esse motivo é difícil definir a culpabilidade numa ação policial considerada violenta, já que para fazer isso é imperativo questionar se o oficial, no momento da ação, utilizou-se de sua intenção, ou se estava seguindo ordens. Esse questionamento, de alguma forma, também ocorre com quem sofre a violência, mesmo que a pessoa, de forma legítima, tenda a ter maior repulsa contra o oficial por ele ser o meio a partir do qual ocorre a violência. Posto o que foi dito, se a ação violenta é fruto da obediência a ordens, a violência não é mais policial, mas estatal. Sendo assim, adotaremos a definição de violência policial como aquela cometida por intenção do oficial.

         Dentre as atribuições da polícia, uma delas é garantir o bem-estar de quem faz parte do estado ao qual ela está subordinada. Para cumprir bem essa função, um oficial deve ser bem pago, treinado e constantemente avaliado, pois não é simples garantir o bem-estar das pessoas. Mas isso não é suficiente. Se alguém detém o uso de força letal, é necessário que se tenha boas intenções, ou em caso negativo, que não as execute. Isso gera ao policial a responsabilidade de ser calmo no exercício de sua profissão. Além disso, voltando a atenção para a população em geral, esta tem todo o direito de não gostar da polícia, pois é impossível fazer alguém gostar de algo por obrigação. Seria ideal que todos respeitassem a polícia, apesar de isso não ocorrer com uma boa frequência. Mas saindo do âmbito do que deve e do que deve não ser, o qual não corresponde a realidade de fato, resta saber o que a violência policial tem de específico em relação a outros tipos de violência.
         A especificidade do mal agir de um policial está justamente no fato de, mais do que ser repulsivo, ser contrário ao que ele deve fazer como agente do estado que prima pelo bem-estar da sociedade, sendo a garantia dessa paz social justamente o monopólio dos meios que poderiam ser usados para acabar com ela. Por esse motivo um homicídio cometido por um policial deve ser considerado mais grave do que se cometido por um cidadão comum, já que a este não foram atribuídas as funções de garantia do bem-estar, ao passo que àquele, de posse de tais garantias, fez mal uso delas. O policial comete dois atos imorais. Um é o crime, o outra é a escolha pelo mal uso do poder legítimo de aplicar a violência.


         Concluindo, a violência policial é uma imoralidade que se destaca das demais pois, no momento de tomada da decisão que precede o ato violento (aqui tratamos o ato violento unicamente quando precedido por uma má intenção, apesar de, conforme exposto anteriormente, poder ocorrer sem haver uma intenção violenta) outro ato violento ocorre, que é escolher utilizar de forma errada uma atribuição institucional. Esse mesmo raciocínio poderia ser aplicado a outros crimes cometidos por agentes dotados de prerrogativas institucionais, como a corrupção, já que além do crime, há mal uso delas. Logo, a especificidade da violência policial, assim como outras violências realizadas por agentes a serviço do estado, reside na peculiaridade de uma má intenção necessariamente anteceder não apenas uma, mas duas ações violentas. Isso não é apenas grave. Isso é imoral. 


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